
Não faria qualquer sentido começar esta viagem pela descoberta dos segredos das especiarias por qualquer outra: a pimenta preta (Piper nigrum) é a Rainha das especiarias!
Não deve haver casa em Portugal ou no mundo que não a tenha. Ela mora na nossa comida hoje e há milénios e sobreviveu às mais diversas vagas e modas culinárias.
Mas a pimenta preta é muito mais do que um condimento comum: é uma especiaria que moldou rotas comerciais, impulsionou as explorações marítimas e foi verdadeiramente o mote para a globalização das trocas comercias. Neste guia completo, vamos levantar o véu sobre a sua história, as diferentes variedades que dela derivam e como distinguir as “verdadeiras” pimentas das suas primas exóticas.
A origem histórica da pimenta preta
A pimenta preta tem origem na costa de Malabar, no sul da Índia, e é referida em fontes que remontam a mais de 4.000 anos. Civilizações como a egípcia, grega e romana valorizavam-na enormemente, tanto pelo sabor como pelas propriedades medicinais. A sua importância cresceu tanto que, quando os Visigodos sitiaram Roma, o pedido de resgate incluía mais de uma tonelada de pimenta. Durante a Idade Média, era tão preciosa que servia como moeda de troca e para o pagamento de rendas. Foi também a principal motivação das explorações portuguesas, como as viagens de Vasco da Gama ao Oriente, para desbloquear um monopólio nas rotas terrestres que eram dominadas pelos Árabes e comerciantes de Veneza.
A seu tempo vamos descobrir estas histórias incríveis e também algum folclore à mistura…
As pimentas verdadeiras: da mesma planta, quatro tipos
A espécie Piper Nigrum tem origem nas florestas tropicais húmidas da região de Kerala, na costa sudoeste da Índia. É uma trepadeira que cresce nesse clima e os grãos aí produzidos são os que apresentam o sabor mais profundo e complexo.
Aquilo que conhecemos como pimenta preta, pimenta branca e pimenta verde são, na verdade, variações no uso do mesmo grão (ou baga) da Piper nigrum:
- Pimenta preta: são as bagas colhidas ainda verdes e depois secas ao sol. É com este processo que adquirem a sua cor escura e o aroma pungente.
- Pimenta branca: as bagas são colhidas quando maduras, e depois demolhadas para retirar a casca exterior e revelar o interior claro. É por essa razão que o sabor é mais suave
- Pimenta verde: corresponde à baga colhida ainda imatura e pode ser consumida dessa forma ou pode ser conservada em salmoura, vinagre ou liofilizada. O sabor é mais fresco.
- Pimenta vermelha (de Piper nigrum): é raramente disponível, corresponde à baga madura colhida no ponto máximo de vermelhidão e seca com a casca intacta. Tem um sabor mais frutado e menos picante.
⚠️ Atenção: não confundir com a “pimenta rosa”, que é uma espécie completamente diferente.
As “falsas pimentas”: visualmente parecidas, botânicas distintas
Nem tudo o que chamamos de “pimenta” vem da planta Piper nigrum. Existem outras bagas chamadas popularmente de “pimenta” pelo aspeto ou sabor aromático, mas que pertencem a famílias botânicas diferentes.
Pimenta rosa (Schinus molle ou Schinus terebinthifolius)
Esta pimenta vem de uma árvore e não de uma trepadeira, a Schinus molle ou Schinus terebinthifolius. É proveniente da América do Sul e é da mesma família do caju e da manga. São pequenas bagas mais cor-de-rosa do que vermelhas, com casca fina e sabor adocicado e levemente picante. Algumas pessoas podem ter alergia à pimenta rosa, especialmente quem tem sensibilidade ao caju.
Pimenta-da-Jamaica (Pimenta dioica)
Tal como o nome sugere, esta outra baga vem da América Central e das Caraíbas. Pertence à família Myrtaceae (a mesma família da goiaba e do eucalipto) é também uma árvore e não uma trepadeira. Esta árvore produz bagas verdes que ficam castanhos escuras quando são secas ao sol. O mais fascinante desta baga é que combina notas de cravinho, noz-moscada, canela e pimenta. Por essa razão ela é conhecida em inglês por allspice. Está na base da culinária caribenha, em marinadas, pickles, chutneys e misturas como o jerk jamaicano.
Onde se produz a pimenta preta atualmente?
Apesar das origens indianas, a produção global da pimenta preta está hoje centrada nas seguintes regiões:
- Vietname – maior produtor mundial; grãos fortes e intensos.
- Índia – especialmente Kerala e Karnataka; origem de variedades premium como Tellicherry e Malabar.
- Brasil – cultivo concentrado no Pará e na Bahia.
- Indonésia – produção relevante em Sumatra e Java.
- Sri Lanka, Malásia, Madagáscar – produtores de nicho com pimentas aromáticas.
Mais do que uma especiaria
A pimenta preta é mais do que um condimento que sobreviveu às modas da gastronomia. É uma herança viva da história global. Foi motor de impérios, protagonista de trocas culturais e continua a reinventar-se, seja no grão clássico de Kerala ou nas misturas exóticas com bagas da América do Sul. E ainda estamos só a raspar a superfície. Se este grão já parece fascinante, esperem até descobrirem o que a pimenta esconde em mitos, remédios e receitas. E sim, vamos mesmo falar disso por aqui..
Fontes
Torna~se por vezes difícil citar todas as fontes de informação, mas aqui indicam-se as mais relevantes. As estatísticas de produção foram retiradas do site da FAO (https://www.fao.org/faostat/en/#data/QCL ) , mas houve mais informação genérica coletada através dos seguintes sites:
PepperHub, “Untold story of back pepper”. https://www.pepperhub.in/the-story-of-black-pepper-black-pepper-in-history/?srsltid=AfmBOooRqyNDdQnKAT-tQJialrZJO9S_DFWyUKD5eQpyknz-ye4d4Wv2
McCormick Science Institute, “Black pepper”. https://www.mccormickscienceinstitute.com/resources/culinary-spices/herbs-spices/black-pepper#:~:text=Pepper%20was%20so%20precious%20in,pepper%20were%20demanded%20as%20ransom Magagascar Market, “Black pepper, everything you need to know about this very popular spice”, https://madagascar-market.com/history-varieties-of-pepper-black-pepper-everything-you-need-to-know-about-this-very-popular-spice/