Bacalhau à Brás: Tradição, História e Pimenta em Generosidade

Escolher a primeira receita para ilustrar este espaço não foi tarefa fácil, ainda para mais porque queria que a receita estivesse diretamente relacionada com a pimenta, que foi a primeira especiaria que abordei. Ora a pimenta está em todo o lado, mas é difícil arranjar uma receita em que a pimenta seja verdadeiramente o ingrediente principal… e não queria fazer uma primeira receita sobre um bife com molho de pimenta…

Assim, fui buscar aquela que para mim mais combina com a pimenta, pois é aquela onde, na minha versão, são usadas doses bastante generosas de pimenta, muito para além do “q.b.”: o Bacalhau à Brás. Ainda estou para encontrar alguém que não goste deste prato, português ou estrangeiro, novo ou velho. A minha mãe sempre o fez, a minha avó também, eu já o faço há mais de duas décadas para a família e é sempre um sucesso.

Origens mais ou menos conhecidas

Quando pesquisei sobre as origens deste prato, não encontrei nenhuma fonte “oficial”, mas há inúmeras referências às origens lisboetas, talvez nos finais do século XIX, tendo a receita sido criada por um taberneiro do Bairro Alto, o tal Brás ou Braz. Contudo, até essa receita pode ter sido uma reinvenção: o site www.historiadobacalhau.pt refere alguns pratos que podem ter sido a fonte de inspiração, como o Bacalhau à Lisbonense. Mais surpreendente ainda é a referência a um manuscrito de 1715 (de Francisco Borges Henriques) onde existirá uma receita semelhante, denominada “frigideiras de bacalhau”.

Receita

Para mim, a fonte principal de receitas de pratos portugueses é o Livro de Pantagruel. Uso a edição do Círculo de Leitores (a 54ª, que já tem mais de 27 anos!!!), e nela a receita é esta:

Ingredientes:

  • 750 gr bacalhau
  • 750 gr batatas
  • 0,5 kg cebolas
  • 1 alho esborrachado
  • 6 ovos
  • 3,5 dl azeite
  • Salsa picada
  • Sal q.b.
  • Pimenta q.b.

Como fazer:

Depois de demolhado, escalda-se o bacalhau, tiram-se-lhe a pele e as espinhas e desfia-se. Cortam-se as cebolas em rodelas finas e as batatas em palitos. Frita-se o alho no azeite até alourar, depois tira-se, deitam-se as batatas e fregem-se ligeiramente, retirando-as para o lado com uma espátula. No mesmo azeite, fritam-se depois as cebolas até corarem, retirando-as também com a espátula, e depois o bacalhau, até enrijar um pouco. Mistura-se tudo muito bem e retira-se do lume. Batem-se os ovos temperando-os com sal e pimenta e juntando-os ao preparado. Leva-se de novo ao lume, mexendo-se constantemente com uma espátula até os ovos coagularem, mas de modo a ficarem macios. Serve-se de imediato numa travessa aquecida, polvilhando com a salsa picada.”

As minhas variações

Esta pode ser a receita tradicional, mas, na minha casa, o Bacalhau à Brás é feito a olho, desde a proporção entre bacalhau e batata passando pela quantidade de alho picado e ovos, mas uma coisa é certa: quando chega a altura de colocar a pimenta, o moinho está a trabalhar durante muito, mas mesmo muito mais tempo do que em qualquer outra receita. Até agora a família não se queixou…

 Em vez de escaldar o bacalhau, costumo cozê-lo (é mais fácil de lascar sobretudo as partes mais finas). Coloco primeiro a cebola a refogar com o azeite e o louro, e só acrescento o alho quando a cebola está meio transparente. Depois coloco o bacalhau lascado e a tal quantidade ultra generosa de pimenta. Costumo colocar a salsa nessa altura, para ficar mais incorporada. Só depois coloco a batata e, no fim, o ovo.

Seja de uma forma ou de outra, acredito que todas as famílias têm os seus próprios preceitos e ajustes, o que faz parte de todos os pratos tradicionais da nossa cozinha. Tão universal se tornou esta forma de confeção do bacalhau que se estendeu para outros ingredientes de base e todos sabemos o que é um “Brás de legumes” ou “Frango à Brás”. O que diria o taberneiro do século XIX se soubesse até onde chegou a sua receita?

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